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Indisposição Matinal
- Bom dia, mãe. – saudou Dali ao entrar na cozinha.
O espaço era exíguo, mas acolhedor. O cheiro a pão fresco e chá de tília inundou-o ainda no corredor.
Tal como esperava, Matilde sentava-se num dos bancos que rodeavam a pequena mesa de madeira. Aconchegada com um roupão laranja-claro, enquanto brincava vagarosamente com a saqueta de ervas. Era adepta de chá desde criança, habituada pela sua avó. Tília e camomila sempre foram os seus preferidos.
- Bom dia, Idalino… - a resposta pouco passava de um sussurro, com a voz frágil, ausente de qualquer força.
Assim que se aproximava, reparou nas fortes olheiras que decoravam o olhar cansado de Matilde. O rosto, enrugado e esgotado, emoldurado por um emaranhado oleoso de ondas castanho-escuro, já tivera, definitivamente, melhores dias.
Na verdade, aquele era o aspeto mais provável que todos nós temos assim que nasce um novo dia. O que mais o intrigava era a sua presença ali, àquela hora. Afinal, apenas tinha que abrir a loja por voltas das 9h, e, mesmo tendo os seus momentos de vaidade, não demoraria 3 horas a arranjar-se.
- A pé? A esta hora? – decidiu perguntar Dali, começando a preparar o seu pequeno-almoço.
- Não estava a fazer nada na cama. – disse, prontamente. O tom era azedo.
Durante a breve conversa, a matriarca não retirara os olhos da caneca de chá que, pelo que se observava, já deveria estar frio.
Subtilmente, o ambiente tornara-se mais penoso. Havia um ressentimento sombrio no próprio ar.
“A que horas se levantou afinal?” – indagou. Porém, acho melhor não o perguntar diretamente, dada a aparente má disposição e pesada atmosfera.
- Dormiu mal?
- Pura e simplesmente, há coisas que não se esquecem…
- Desculpe? – questionou Dali, parando de verter o café numa chávena amarela. Houve algo de deslocado naquela resposta que lhe chamou a atenção. – Como disse?
- Há coisas que não se esquecem… - repetiu, gelando-o com o seu olhar. Os olhos castanhos mostravam-se baços, pedras de vidro, denunciando o vazio profundo e gélido que a habitava naquele momento.
- O que quer dizer com isso, mãe?... - algo no seu subconsciente avisou-o de que aquela pergunta não seria uma boa ideia. Porém, a confusão genuína, e patente na sua voz, fez com que arrisca-se.
- O que quero dizer com isso?! – a raiva tornara-se visível na sua voz, agravando-a, transformando-a. Matilde levantou-se de rompante, desviando o roupão com o movimento brusco. – O QUE QUERO EU DIZER COM ISSO?! – gritou.
Bateu os punhos na mesa, tombando sobre esta a caneca de chá. Um silêncio tenso pairou sobre ambos, filho e mãe, apenas interrompido com o escorrer suave do chá derramado. Uma cascata longínqua entre dois rochedos. Os deltoides e os trapézios contraíram-se com a pressão, os tendões do pescoço sobressaíam. Dali sentia-se como uma presa encurralada por um predador, pronto a atacar a qualquer momento.
Todavia, não foi um rugido feroz a cortar o silêncio. Foi, sim, um soluçar singelo, um choro derrotado, filho de uma mágoa que, por muitas vezes que se derrame, nunca perderá a fonte.
Matilde levou as mãos ao rosto, tapando os olhos avermelhados e as lágrimas que escorriam lentamente.
- Não percebe mesmo, pois não? – soluçou, retoricamente, com a voz fraca, quase inaudível e abafada. Uma angústia profunda irradiava de cada silaba.
- Mãe… - Idalino não sabia como reagir. Segundos antes o seu corpo estava tenso, chocado com o breve relâmpago de fúria, assimilando o cenário que se construía sob pressão. Por outro, via agora a sua mãe chorar desalmadamente, indefesa, angustiada.
- Sente-se bem? – perguntou, tentado aproximar-se lentamente da pobre mulher.
- Faz hoje 8 anos que vivo sem luz… Como acha que eu me sinto, meu filho? – a tristeza dominava agora sobre a raiva. Uma centelha de luz brilhava no olhar pesaroso, um fogo do inferno.
Impressionado, manteve-se imóvel e em silêncio. Contudo, quando ainda tentava apreender tudo o que acontecera, ouviu passos preguiçosos ecoar no corredor. Preenchendo o silêncio, este interrompido ocasionalmente com brandos soluçares chorosos.
- Idalino… - a voz do pai estava cansada, mais rouca do que o habitual. - …não se atrase. – aconselhou-o, secamente. As olheiras profundas denunciavam a noite sem descanso.
Uma forma delicada de lhe pedir que se retirasse. E, sem o refutar, obedeceu, cabisbaixo.
Todavia, enquanto abria a porta de entrada, conseguiu ouvia-la chorar, distante, tremula, agora nos braços do seu companheiro de há 30 anos.
Um maremoto de culpa inundou o seu coração inconsciente nas trevas.
- Bom dia, mãe. – saudou Dali ao entrar na cozinha.
O espaço era exíguo, mas acolhedor. O cheiro a pão fresco e chá de tília inundou-o ainda no corredor.
Tal como esperava, Matilde sentava-se num dos bancos que rodeavam a pequena mesa de madeira. Aconchegada com um roupão laranja-claro, enquanto brincava vagarosamente com a saqueta de ervas. Era adepta de chá desde criança, habituada pela sua avó. Tília e camomila sempre foram os seus preferidos.
- Bom dia, Idalino… - a resposta pouco passava de um sussurro, com a voz frágil, ausente de qualquer força.
Assim que se aproximava, reparou nas fortes olheiras que decoravam o olhar cansado de Matilde. O rosto, enrugado e esgotado, emoldurado por um emaranhado oleoso de ondas castanho-escuro, já tivera, definitivamente, melhores dias.
Na verdade, aquele era o aspeto mais provável que todos nós temos assim que nasce um novo dia. O que mais o intrigava era a sua presença ali, àquela hora. Afinal, apenas tinha que abrir a loja por voltas das 9h, e, mesmo tendo os seus momentos de vaidade, não demoraria 3 horas a arranjar-se.
- A pé? A esta hora? – decidiu perguntar Dali, começando a preparar o seu pequeno-almoço.
- Não estava a fazer nada na cama. – disse, prontamente. O tom era azedo.
Durante a breve conversa, a matriarca não retirara os olhos da caneca de chá que, pelo que se observava, já deveria estar frio.
Subtilmente, o ambiente tornara-se mais penoso. Havia um ressentimento sombrio no próprio ar.
“A que horas se levantou afinal?” – indagou. Porém, acho melhor não o perguntar diretamente, dada a aparente má disposição e pesada atmosfera.
- Dormiu mal?
- Pura e simplesmente, há coisas que não se esquecem…
- Desculpe? – questionou Dali, parando de verter o café numa chávena amarela. Houve algo de deslocado naquela resposta que lhe chamou a atenção. – Como disse?
- Há coisas que não se esquecem… - repetiu, gelando-o com o seu olhar. Os olhos castanhos mostravam-se baços, pedras de vidro, denunciando o vazio profundo e gélido que a habitava naquele momento.
- O que quer dizer com isso, mãe?... - algo no seu subconsciente avisou-o de que aquela pergunta não seria uma boa ideia. Porém, a confusão genuína, e patente na sua voz, fez com que arrisca-se.
- O que quero dizer com isso?! – a raiva tornara-se visível na sua voz, agravando-a, transformando-a. Matilde levantou-se de rompante, desviando o roupão com o movimento brusco. – O QUE QUERO EU DIZER COM ISSO?! – gritou.
Bateu os punhos na mesa, tombando sobre esta a caneca de chá. Um silêncio tenso pairou sobre ambos, filho e mãe, apenas interrompido com o escorrer suave do chá derramado. Uma cascata longínqua entre dois rochedos. Os deltoides e os trapézios contraíram-se com a pressão, os tendões do pescoço sobressaíam. Dali sentia-se como uma presa encurralada por um predador, pronto a atacar a qualquer momento.
Todavia, não foi um rugido feroz a cortar o silêncio. Foi, sim, um soluçar singelo, um choro derrotado, filho de uma mágoa que, por muitas vezes que se derrame, nunca perderá a fonte.
Matilde levou as mãos ao rosto, tapando os olhos avermelhados e as lágrimas que escorriam lentamente.
- Não percebe mesmo, pois não? – soluçou, retoricamente, com a voz fraca, quase inaudível e abafada. Uma angústia profunda irradiava de cada silaba.
- Mãe… - Idalino não sabia como reagir. Segundos antes o seu corpo estava tenso, chocado com o breve relâmpago de fúria, assimilando o cenário que se construía sob pressão. Por outro, via agora a sua mãe chorar desalmadamente, indefesa, angustiada.
- Sente-se bem? – perguntou, tentado aproximar-se lentamente da pobre mulher.
- Faz hoje 8 anos que vivo sem luz… Como acha que eu me sinto, meu filho? – a tristeza dominava agora sobre a raiva. Uma centelha de luz brilhava no olhar pesaroso, um fogo do inferno.
Impressionado, manteve-se imóvel e em silêncio. Contudo, quando ainda tentava apreender tudo o que acontecera, ouviu passos preguiçosos ecoar no corredor. Preenchendo o silêncio, este interrompido ocasionalmente com brandos soluçares chorosos.
- Idalino… - a voz do pai estava cansada, mais rouca do que o habitual. - …não se atrase. – aconselhou-o, secamente. As olheiras profundas denunciavam a noite sem descanso.
Uma forma delicada de lhe pedir que se retirasse. E, sem o refutar, obedeceu, cabisbaixo.
Todavia, enquanto abria a porta de entrada, conseguiu ouvia-la chorar, distante, tremula, agora nos braços do seu companheiro de há 30 anos.
Um maremoto de culpa inundou o seu coração inconsciente nas trevas.
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Language: Portuguese
Título - Viagem ao Inferno
Sumário:
Idalino Nóbrega, um jovem de 26 anos, é enviado aos confins do Inferno.
Segredos sujos e verdades cruas são descobertos.
A transformação é iminente.
Há monstros a habitar a alma que não se conseguem controlar.
2º capítulo - Indisposição Matinal
Nota de autor:
Inicialmente, este capítulo era para conter duas situações distintas alternando entre si como se tratassem de diferentes flash, porém achei que isso poderia tornar a narrativa confusa ou, então, retirar ou alterar um pouco da atmosfera.
Assim, dividi estas por dois capítulos distintos.
Com efeito, esta trata-se da situação mais branda, funcionando como um prelúdio do grande parte do drama que tentarei retratar, assim como uma forma de aprofunda a personalidade das personagens, principalmente de Dali, relevando um pouco do ambiente familiar a que estão sujeitos.
Nota de autor (2):
A cidade e o multi-universo de Silent Hill, assim como os monstros que nela habitam e conceitos básicos inerentes aos jogos e filmes, é propriedade da Konami.
Idalino – Aquele que viu o Sol
Nóbrega – Personalidade Múltipla; Sintonia com o Mundo que o rodeia.
OC(s): Idalino (Dali), Mariana, Matilde
© 2014 - 2024 969bloodybones
Comments7
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Um capitulo muito profundo! Eu até senti a fúria e a mágoa da senhora e também do Idalino, só com a descrição muito boa que tu fizeste! Excelente!
Mas agora uma coisa que está-me a fazer uma confusão. Quem é a Matilde? o: Eu estou a confundir com a menina do capitulo passado...
e o que é "deltoides "? nem consegui encontrar no dicionário ahahahah
A sério está muito bom! e olha que eu tenho uma sensibilidade afincada! ahaahah ou seja, para uns vai ser aquilo e para mim vai ser o dobro! aahahaha okay, parei de brincar ahah
Mais uma coisa! Porque é que tu não colocas a fanfic num grupo portugues daqui, de sillent hill? Sei que não é fácil encontrar... e também a questão de ser brasileira, né. Mas, esta fic já está no ff.net?
Mas agora uma coisa que está-me a fazer uma confusão. Quem é a Matilde? o: Eu estou a confundir com a menina do capitulo passado...
e o que é "deltoides "? nem consegui encontrar no dicionário ahahahah
A sério está muito bom! e olha que eu tenho uma sensibilidade afincada! ahaahah ou seja, para uns vai ser aquilo e para mim vai ser o dobro! aahahaha okay, parei de brincar ahah
Mais uma coisa! Porque é que tu não colocas a fanfic num grupo portugues daqui, de sillent hill? Sei que não é fácil encontrar... e também a questão de ser brasileira, né. Mas, esta fic já está no ff.net?